segunda-feira, outubro 07, 2013

Algumas historinhas engraçadas e reais de quanto as minhas filhinhas eram pequenas.

Pior que bicho papão.


Já ouvi muita gente assustar criança com bicho-papão, com velho do saco,com morcego.
Eu própria passei a infância pensando que os mendigos comiam crianças e não passavam de bruxos disfarçados. Quando brincávamos no jardim, uma de nós sempre ficava de guarda para avisar quando um mendigo passava:
- Olha o velho do saco!
Uma correria. Toca a esconder-se, criançada! Só voltávamos ao jardim após o perigo passar. Espiávamos o velho mendigo sumir ao dobrar a esquina, nos seu passo arrastado, saco jogado às costas. Hoje os mendigos estão tão mais pobres que nem saco tem para levar às costas.
Fernanda criou-se diferente, sem mentiras, sem rodeios, com respeito e amor. Por isso, quando não entende os  motivos dos adultos, não se convence a obedecer e segue sua própria cabeça.
Não há como convencê-la a permanecer sentada durante o almoço. Quer correr lá fora, tocar piano, ler gibi, espiar a televisão e comer nos intervalos – um tumulto!
- Vem sentar.
- Não quero.
- A comida esfria.
- Deixa esfriar.
Acontece que, agora que já sabe andar, Tatiana, a irmã menor, vinga-se dos tapas, mordidas e empurrões que leva da irmã. A nenê desforra-se beliscando, mordendo, fazendo cócegas na irmã; é só ver Fernanda sosssegada, lá vem Tatiana azucriná-la.
- Fernanda, volte aqui!
- Volto nada, vou ver televisão.
- Se você não sentar quieta para almoçar direito, eu manda a Tatiana pegar você!
Pode? E deu certo...Fernanda veio correndo, sentou-se e comeu como uma ‘lady’.

O degrau


Tatiana? Ora, onde mais? No degrau!
Vou espiar a garotinha, que ri toda feliz a sacudir a mamadeirinha e a boneca.
Quem é que não conhece a magia de um degrau?
Eu mesma tinha um degrauzinho encantado, o meu degrau de estimação, onde eu me instalava por horas para sonhar ou para dissipar as tristezas da vida. (as crianças da roça tem suas árvores, eu era uma criança de apartamento)
Meu degrau dava para o quintal do vizinho, e de lá eu espiava o cachorro, as galinhas, os meninos da vizinha, vovó fazendo almoço. Eu tomava sol, matava formigas, esburacava os cantinhos dos ladrilhos, lia gibis;
Hoje em dia já não existem degraus nas portas das cozinhas, nem quintais, nem galinhas, mas continuam existindo crianças, teimosamente persistindo em suas tradições de crianças: o peão, a pipa, o balão, e um cantinho no degrau.
O degrauzinho de Tatiana é o da frente da casa, a meio metro de um muro alta tendo por trás uma avenida. O pesadelo de minha mãe é um caminhão desgovernado que subirá a calçada, derrubará o muro e esmagará a netinha. Quando apelamos para o bom senso e demosntramos o quanto suas preocupações sobre o terrível acidente são improváveis, ela invoca suas visões premonitórias e nos calamos. Afinal, mamãe previu a avalanche do monte Serrat em idos de 55 e sonhou com a enchente do Rio de Janeiro em 66.
E, na verdade, o degrau foi vitima de um acidente perigoso.
Corria o ano da graça de 1983, o ano da Grande Chuva = lembram-se daqueles oito meses de chuvas devastadoras, ininterruptas? Pois bem, após a primeira semana ensolarada, quente, bem santista, madrugada alta, um estrondo súbito acorda toda a vizinhança.
Mamãe abre a janela e espia. No lugar do degrau, um monte de entulhos. Entulhos na calçada. Entulhos na rua.
A pobre laje, desacostumada já com o bom tempo, ruíra, arrastando consigo o telhado, beirais, calhas e um bocado do muro. Vista da rua, certamente, a casa lembrava uma foto de despojos pós-guerra.
Felizmente não houve feridos.
Se fosse dia...
Se Tatiana...
Como, porém, catástrofes não acontecem duas vezes no mesmo local, continua Tatiana sossegada e feliz a desfrutar do seu direito inalienável de criança – o ‘seu’ degrau.

Em volta do quarteirão


Tatiana não sabe falar, por isso puxa a mãe para a porta da rua, aponta e chora.
Quando nenezinha nova, a pequena mal se mexia. Não queria virar-se, não queria arrastar-se, não queria engatinhar. Parecia pensar: ora, não vale o esforço. Agora, porém, só quer andar, correr, trepar e passeat.
Os passeios de todos os fins de tarde são o encanto da menina. Das meninas, pois Fernanda, com seus três aninhos e meio, complementa:
- Mãe, vamos dar uma volta no quarteirão?
Passeios longos, distantes, como praia, o aquário, o orquidário, parquinhos, são ótimos só de vez em quando, com aquele gostinho de fim de semana. Sempre, enjoam. A volta no quarteirão, no entanto, é sempre recebida com alegria, e, a cada volta, dia após dia, mês após mês, parece esperar-nos uma surpresa, ali, logo ao dobrar a esquina.
A primeira brincadeira é trepar no murinho do prédio ao lado e andar equilibrando-se de braços abertos. Assim o faz Fernanda, e Tatiana, como ainda é pequenininha, senta no degrauzinho para espiar a maninha.
- Mãe, olha o meu ‘amigo’! Vou dar um tciaozinho.
As crianças colecionam amigos: o zelador do prédio ao lado, o velhinho de bengala que toma sol ao portão, o rapazola da garagem, o guarda em frente à casa do general.
Tatiana recolhe folhas e as vai entregando para mim, encantada em ver como são diferentes: uma grande, uma comprida, outra tão pequenina, outra seca e barulhenta...já para Fernanda, as folhas são espadas, confetes ou comidinhas.
Portões, murinhos e grades são ativamente pesquisados. É preciso experimentá-los de todas as maneiras: subir, balançar, trepar, pegar, bater. E, a cada volta, descobre-se um detalhe, que, no dia anterior, passara despercebido.
- Olha o micinho, chama ele, Tati – grita Fernanda, apontando o gato.
E a menor esfrega os dedinhos e grita. Tatiana prefere os cachorros, que ela persegue sem o menor cuidado; chega a agachar-se no chão para espiá-los pelos vãos das portas, quando avista seus focinhos.
Brincam as duas de fugir, de pega-pega, dançam, pulam, e, se ninguém as impedir, são bem capazes de deitar no chão e rolar, de pura alegria.
Fernanda foge de estranho.
Tatiana, ao contrário, não sente a menor inibição, acena e envia beijinhos para quem lje agrada, aproxima-se dos outros bebês para espiá-los e chega a tocar em seus brinquedos e a conversar – em tatianês, é claro.
Voltar para casa? Nem pensar! Tatiana agacha-se e balança a cabeça. Fernanda senta no chão e pede ‘só mais um pouquinho, um poucão’.
É preciso convencê-las com o bifinho gostoso, a estorinha que mamãe vai ler, ou o infalível, consagrado e sempre eficiente tapa no bumbum, o melhor aliado das mães desde as cavernas até hoje.



E vivam as baratas!


Vovó Tereza poucas vezes vira criança tão mexedeira quanto Tatiana. A sem vergonha da nenê pouco se importava com os nãos da vovó e até oferecia a mãozinha para apanhar, dizendo a sorrir:
- Bate, boba.
A nenê gostava especialmente do armário sob a pia, repleto de panelas; das gavetas de talheres e do garrafeiro lá nos fundos do quintal.
Pobre vovó! Fazia o almoço pulando sobre panelas, tropeçando em frigideiras, desviando dos talheres que a netinha espalhava pelo chão. E ainda corria a cada barulhinho para evitar que as garrafas despencassem e machucassem Tatiana.
A pestinha corria, ria, fugia, e, para piorar, começava a trepar e a subir na pia, na mesa, no tanque... um desessossego!
Durante um cochilo da pequerrucha, vovó surpreendeu-se a resmungar:
- É bem quando preciso de uma barata que não aparece nenhuma!
Para que estaria vovó  procurando uma barata?
Pois a netinha encontrara um desses bichos nojentos, morto sob o armário da pia: gritara, vociferara, apontara de longe e parara de mexer nas panelas. Isso dera à vovó uma idéia estranha...
Estranha, mas eficiente.
Agora, vovó trabalha sossegada, enquanto as netinhas brincam, andam de carrinho no quintal ou jogam bola e balançam-se no jardim.
Há uma barata em frente à pia, uma barata na entrada da copa, outra defronte ao garrafeiro e uma perto da lata de lixo.
Não se assustem, vovó varreu a casa hoje, sim.
As baratas são para afastar Tatiana.

A inauguração do bonde


Em 1971, enquanto o mundo inteiro procurava alternativas para o consumo de petróleo, o Brasil tomou uma dessas atitudes que brasileiro não entende: desativou os bondes.
Treze anos após, o pobre povo, cujos bolsos vazavam, onerados pelas caríssimas passagens de ônibus, conseguiu convencer o prefeito a reativar as linhas de bonde. Assim, no domingo, dia 10 de junho de 1984, Tatiana inaugurou o bonde.
Tatiana?
Sim, senhores. A pequena Tatiana saiu de casa cedo, às sete da manhã, ainda de pijama, no colinho do vovô, chupando o dedinho.
A linha 13, ou turística, percorreria a orla da praia desde a praça defronte à igreja do Embaré até o Canal 5. O motorneiro, com seu ‘guarda-chuva’ – aquela vara de metal comprida usada para conectar ou desconectar as junções do trilhos – estava a postos para testar o bonde, totalmente restaurado, brilhante, com jeitinho de novo.
Tatiana chegou e apontou:
- Oi, vô.
Alguns meninos sassaricavam por ali, ansiosos por experimentar o bonde.
- Vai andar, moço?
O motorneiro, em resposta, puxou a campainha: bléim, bléim – e abriu as portas, chamando a petizada.
Vovô ia subir, também, porém  o motorneiro o chamou para sua cabine, agarrou Tatiana e instalou-a na direção.
Lá partiram todos, as rodas pesadas do veículo range-rangendo morosamente sobre os trilhos.
A nenê ria, batia palmas e tagarelava em tatianês. Os meninos assobiavam. Vovô ria.
A viagem inaugural do bonde 13 ocorreu oficialmente às 10 horas da manhã, com discurso, fogos de artifício e a presença do prefeito.
A primeira viagem do bonde, contudo, a primeiríssima, foi inaugurada e ‘dirigida’, com algum auxílio do motorneiro, pela pequena Tatiana.

Matinê

Tatiana no cinema diverte-se a valer. Senta na última fila para poder trepar no parapeito que separa as cadeiras do corredor e fica lá no alto, balançando os pés.
Sessão da tarde no meio da semana é melhor. Tatiana troca de cadeira, passeia entre as fileiras, apóia os pés na fila da frente e corre pelos corredores.
Tagarela, Tatiana conversava animadamente com sua amiga. Só que, além delas, sentadas na última fileira, dois garotos na primeira fila preparam-se para assistir ‘O pimentinha’.
Um giz voou na direção das meninas, que gritaram. Outro. E outro.
- Moleques! Parem com isso!
- Cale a boca!
- Calo, não.
- Então, vai giz!
A batalha instalou-se animada entre a primeira e a última fila, com gritos entusiasmados dos participantes.
Ai Tatiana lembrou-se que trazia na mochila – quem diria – um estilingue. Igual ao do Pimentinha.
- Faço pontaria e sou invencível com meu super-estilingue. Vocês vão ver só o que é bom pra tosse, seus bobões.
Plaft! Plaft! Ploft!
Ai! Ui!
- Assim não vale!
- Sua cara de pepino!
- Bobão!
- Lá vai giz!
Ai! Ui! Ploft!
- Urra! As meninas estão ganhando!
Na animação da batalha, não perceberam a aproximação do lanterninha.
- Meu estilingue! Devolve o meu estilingue!
- Silêncio! Comportem-se ou expulso vocês da sessão.
- Mas o filme mal começou....
- E o meu estilingue?
O homem afastava-se. Tatiana o seguiu.
- Quero meu estilingue.
- Vou entregá-lo ao gerente.
Na saída, Tatiana chamou o gerente. Levou uma severa descompostura e neca de estilingue.
- Devolve meu estilingue. Eu já vou embora mesmo. Eu comprei com o dinheiro de minha mesada. Devolve.
O gerente não devolveu.
Aí deixamos cair o pano, discretamente, sobre a lamentável cena que se seguiu, na qual Tatiana perdeu a classe, caprichou no pontapé na canela e o gerente... bem, o gerente resolveu que menores, a partir de então, só podem entrar no cinema acompanhado dos pais, mesmo nas sessões da tarde, e, principalmente, se os menores forem fortes o bastante para se atracarem com o gerente.



Nenhum comentário: