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 A um aprendiz de escritor

   (publicado no jornal literário Um dedo de prosa - 1996)

Todo médico conhece os princípios da cirurgia, mesmo que seja um clínico; sabe os fundamentos da homeopatia, mesmo sendo alopata; é capaz de fazer um parto, mesmo não sendo obstetra; e estudou a evolução das ciências médicas, embora não ande por aí a receitar cataplasmas ou a aplicar sanguessugas.
Quem já ouviu falar de um pintor que desconhece a perspectiva? Que não tem noção de anatomia? Que ignora a teoria das cores? Que não tem a menor noção de história da arte?
Não importa a qual escola pertença, um artista conhece sua arte a fundo. Um pintor não precisa pintar como um impressionista, nem ao menos gostar do impressionismo, mas ele sabe do que se trata.
Diga-se o mesmo de qualquer arte, de qualquer ciência.
Para conhecer, no entanto, é preciso estudar.
Não se concebe, portanto, um escritor que não leia e que desconheça a história da literatura. Quem escreve só para si não faz literatura, faz diário.
Sabe aquela história original que você imaginou, em que acordava transformado em um inseto? Pois bem, ela já existe, foi escrita por um autor genial, Kafka, e se você publicá-la, vão chamá-lo de plagiador. Quem conhece, evita o vexame de apresentar como idéia nova e sua algo que o mundo está cansado de saber; pelo menos tem a chance de reestudar a idéia, encontrar para ela uma roupagem nova, um novo sentido, um aspecto de modernidade.
Se você gosta de escrever, leia. Não se limite a decorar regras. Um soneto não é apenas determinado número de versos alexandrinos dispostos de uma certa forma, um soneto tem alma. Se você quer que seus escritos tenham alma, beba direto da fonte da imortalidade – os clássicos. Não é à toa que os imortais da literatura são assim chamados. Se você quer escrever como um imortal, faça amizade com eles, lendo, devorando suas obras.
Não se limite ao moderno. Não se restrinja aos autores de língua portuguesa. Leia tudo. Leia. Leia. Leia.
Leia os ingleses, os russos, os gregos, os latinos. À sua disposição estão vinte e cinco séculos de escrita e mais de uma centena de povos contribuindo para enriquecer a cultura do planeta Terra.
Seja um ávido e curioso leitor.
Não acredite que a inspiração resolve tudo. Se você tem o dom, lembre-se de que não é o único a tê-lo.
Um pintor que se limita a divertir-se com as tintas, um escultor que só deseja preencher o vazio das horas ociosas, não são artistas, são artesãos.
O médico que não vai além da aspirina nossa de cada dia é um reles curandeiro.
Não seja humilde. Tenha a ambição de tudo conhecer, de dominar fundo as possibilidades da palavra.
Pode ser que você não se torne um imortal, afinal de contas, nem todos nascem para Shakespeare, mas sem dúvida você vai romper seus limites e voar.
Eu lhe garanto que é divertido.
Voe!



Um tema, duas penas


Pretendo comentar hoje dois magníficos textos de dois dos maiores nomes da literatura nacional.
De um lado, a flor: a beleza, o singelo, a pureza, o ideal. De outro, a água: sem forma, absorvente, destruidora.
Deste tema rico em interpretações, dois grandes nomes da poesia nacional extraem dois textos aparentemente contraditórios.


"Não Me Deixes!"
Gonçalves Dias

Debruçadas nas águas dum regato
A flor dizia em vão
À corrente, onde bela se mirava ...
"Ai, não me deixes, não!"

"Comigo fica ou leva-me contigo
Dos mares à amplidão;
Límpido ou turvo, te amarei constante;
Mas não me deixes, não!"

E a corrente passava; novas águas
Após as outras vão;
E a flor sempre a dizer curva na fonte:
"Ai, não me deixes, não!"

E das águas que fogem incessantes
À eterna sucessão
Sempre dizia, e sempre embalde:
"Ai, não me deixes, não!"

Por fim desfalecida e a cor murchada,
Quase a lamber o chão,
Buscava ainda a corrente por dizer-lhe
Que não a deixasse, não.

A corrente impiedosa a flor enleia,
Leva-a do seu torrão;
A afundar-se dizia a pobrezinha:
"Não me deixaste, não!"


A Flor e a Fonte
Vicente de Carvalho

"Deixa-me, fonte!" Dizia
A flor, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria,
Cantava, levando a flor.

"Deixa-me, deixa-me, fonte!"
Dizia a flor a chorar:
"Eu fui nascida no monte...
"Não me leves para o mar".

E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
Por sobre a areia corria,
Corria levando a flor.

"Ai, balanços do meu galho,
"Balanços do berço meu;
"Ai, claras gotas de orvalho
"Caídas do azul do céu!...

Chorava a flor, e gemia,
Branca, branca de terror,
E a fonte, sonora e fria
Rolava levando a flor.

"Adeus, sombra das ramadas,
"Cantigas do rouxinol;
"Ai, festa das madrugadas,
"Doçuras do pôr do sol;

"Carícia das brisas leves
"Que abrem rasgões de luar...
"Fonte, fonte, não me leves,
"Não me leves para o mar!..."

As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor...


A aversão pela água, na poesia de Vicente de Carvalho, bem como seu anseio por ela, na de Gonçalves Dias, lembram-me um casal de namorados, o eterno descompasso em que homens e mulheres repetem século após século seu desencontro fatal, como duas raças alienígenas mutuamente estranhas. Podemos pensar no yin-yang, o feminino e o masculino; quando um quer, o outro não quer.
À primeira vista, contudo, já é evidente o caráter narcisista destes dois poemas, na imagem do espelho das águas. É o ser humano a mirar-se na realidade e a vislumbrar, de um lado, em Gonçalves Dias, um ideal, e em Vicente de Carvalho, a morte que o amedronta.
Frágil ser humano, tão belo, tão efêmero, tão à mercê da vida sob a qual sente-se com tão pouco controle, enfrentando a indiferença ou a oposição feroz.
De forma que estes dois poemas, que a princípio parecem opostos nos remetem à inexorabilidade do destino. A água é o inconsciente humano, a força desconhecida que controla nossa vida, e também, pela ausência de forma, a imagem do Deus devorador ou receptivo, que nos recolherá em seu seio após a morte inevitável.
Com que sensibilidade, com que agudeza trabalham estes dois mestres e quanta filosofia se esconde atrás de uma situação aparentemente banal: a flor... a fonte...
Deixemos agora de lado estes frios argumentos e deleitemo-nos com estas belas imagens. Afinal, quando escreveram estes versos, estou quase certa de que nossos poetas não pensaram em nada disso. Poetas não usam o raciocínio, usam a imaginação. A pensar, preferem sonhar.
Sonhemos, pois...

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POR QUE LER CONTOS DE FADAS ?


A infância é um período de alegria, brincadeiras e sonhos. Certo ? Por um lado, sim. Mas há um outro aspecto. A infância é também um longo período de sofrimento, frustrações e humilhações.
Que tal ter setenta centímetros de altura em um mundo onde os adultos parecem ter dez metros ? Sentir - se um anão entre gigantes ? Derrubar leite na toalha, migalhas no sofá, molho de tomate na roupa nova; sentir as calças molhadas porque não se foi suficientemente rápido para correr ao banheiro... e ouvir os inevitáveis : “Desastrado!”, “Porco!”, “Outra vez?”, “Você só serve para dar trabalho!”, “Eu já não te falei mais de mil vezes...”, “Você não toma jeito, mesmo!”.
Esta situação já é bastante constrangedora, mas às vezes existem outras complicações - irmãos mais bonitos ou que parecem perfeitos, e as dolorosas comparações: “Veja seu irmão. Por que você não faz como ele?”, “Olha só como seu irmão é caprichoso”, “Ele é tão corajoso, não chorou no dentista”.
Deixemos de lado as situações dolorosas da vida - orfandade, pais alcoólatras ou espancadores. Fiquemos com a infância normal em lares estáveis, com filhos desejados e pais amorosos. Fazem parte da infância normal sentimentos perturbadores e terríveis, tanto que muitos adultos preferem esquecê - los ao crescer.
Por exemplo, o MEDO. A criança é um ser frágil que depende totalmente de outro para comer, abrigar - se, manter – se aquecida e limpa. Imaginemos por um instante. Não poder andar sozinho. Não poder comer sozinho. Pior - não conhecer o mundo e suas regras. É profundo e total o DESAMPARO da criança.
Quando a criança começa a falar e a pensar, depara - se com o problema mais doloroso da infância, que, mal resolvido, comprometerá todo a sua vida futura : a questão do valor pessoal. Como pode a criança afirmar - se em um mundo onde ela não conhece, não sabe e não compreende a maior parte das coisas? E onde lhe dizem o tempo inteiro : “isso não é assunto de criança”, “isto você vai saber mais tarde”, “quando você casar, passa”, “quando você crescer eu explico”. Frases que a criança traduz como : ninguém me leva a sério. É a REJEIÇÃO.
A criança faz progressos que são encarados sem muito entusiasmo pelos adultos, embora estas conquistas sejam obtidas através de muito trabalho - aprender a ler, aprender a andar, para citar as mais óbvias, exige imenso esforço e persistência por parte da criança, e no entanto poucas vezes são recebidas com entusiasmo : “Que maravilha, meu filho!”. Muitas conquistas importantes são ignoradas, deixando a criança com a impressão de que só uma pessoa muito boba poderia achar que fez alguma coisa de notável, afinal, todo mundo lê, anda, come sozinho e mantém - se limpo - todo mundo menos ela, a criança.
“Quando você crescer”, para o pensamento infantil quer dizer nunca. A criança é toda agora.
Há no entanto um jeito de falar diretamente à alma da criança, dar - lhe consolo, esperança e, o mais importante, a fórmula para deixar de ser “bobo” e virar “rei”. Adivinharam ? Sim, é o conto de fadas.
Típicas, por exemplo, são as histórias dos três irmãos, dos quais o mais novo é bobo, humilhado pelos irmãos, e sai pelo mundo abençoado pela mãe, sem dinheiro, e por ser bondoso com um animalzinho ou velhinho que encontra pelo caminho, é recompensado e descobre um segredo que o leva a um tesouro.
Estas histórias de aparência simples contém um complexo simbolismo que não é a intenção deste artigo desenvolver. (Os interessados procurem ler “A Psicanálise dos Contos de Fadas”, de Bruno Bettelheim, Ed. Paz e Terra).
O que nos interessa aqui é encarar o desejo dos pais de protegerem a criança dos sentimentos maus e da violência, procurando para elas leituras neutras, sem emoções, ou, o que é pior, suavizando as histórias : “O Lobo Mau não comeu o porquinho, não, o porquinho fugiu”; “O caçador não matou o Lobo, só bateu no bumbum dele”.
A emoção da criança é primitiva e selvagem, do tipo tudo ou nada. A criança ama ou odeia com todo o seu coração. Seu medo, simbolizado pelo Lobo Mau, só pode ser destruído pela morte. Sua imaturidade, simbolizada pelo porquinho que fez a casinha de palha, também. Só a morte pode acabar com o perigo que ameaça a criança : seu próprio medo, sua própria ignorância e outros sentimentos ruins, disfarçados de bichinhos. Nestas histórias, a morte não é violência; é o símbolo da transformação que torna a criança mais madura, mais sábia, mais corajosa. Deixe o seu filho gritar de alegria porque o Lobo
Mau morreu. Isto não quer dizer que seu filho seja um nazista sanguinário em potencial. Quer dizer apenas que seu filho venceu o medo.
A seu modo mágico, os contos de fadas contam para a criança que ela traz em seu coração a chave da felicidade, é só acreditar em si e esperar pelo momento certo. Os contos de fadas também lhe dizem que ela não é a única a sofrer, lá está o pobre “Tolo” a ser humilhado pelos irmãos e desacreditado pelos pais - e a criança sente-se compreendida.
Se queremos trazer alegria à vida de nossos filhos, devemos começar por reconhecer a dor, a aceitá - la e a encará - la _ a dor profunda de ser desamparado, impotente e ignorante; o medo e a vergonha por sentir - se inferior . Então podemos começar a contar a nossos filhos como vencer a dor e encontrar o caminho da realização e da felicidade, um caminho longo e difícil que as histórias de fadas tornam atraente e encantador.
Vamos encher de sonhos a infância. Afinal, é como diz o ditado : “Eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem”.

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O CÉREBRO CRIATIVO

Em minha opinião, a mais fantástica constatação que a tecnologia do século XX permitiu aos médicos foi a certeza de que os cérebros são diferentes.

O estômago de todos mundo digere, os pulmões respiram, já quantos aos cérebros, cada um faz o que pode.

O cérebro "padrão" seleciona cerca de sete estímulos por vez, entre as centenas de imagens, sons e percepções recebidas, para compor o pensamento.
Esta seleção de sete estímulos torna as pessoas comuns objetivas e previsíveis.

No entanto, dez por cento da população é geneticamente premiada com um cérebro diferente, sem a capacidade de filtrar as informações recebidas. Estas pessoas têm a atenção direcionada a centenas de estímulos simultaneamente; são hiperreativas, impulsivas e distraídas, para começar a conversa. O cérebro DDA - distúrbio da atenção - já recebeu vários rótulos: deficiência cerebral mínima, crise hipercinética, ausência de controle moral e outros.

Quando criança, o indivíduo DDA troca letras, derruba coisas, acha a escola um tédio, é desorganizado e ouve mais "não pode" e críticas do que seus
colegas. Estas pessoas crescem com a sensação de serem indesejadas e incompreendidas.

O cérebro DDA só se concentra quando a atenção é captada, ele necessita de jogos, músicas e elogios em penca. Uma vez captada a atenção surge outra característica notável: o hiperfoco, uma concentração concentrada.

Um notável cérebro DDA, Eisntein, péssimo aluno,focou vinte anos a questão do que acontece com os objetos à velocidade da luz. Outro sonhador, Gran Bell, levou anos para resolver como falar com alguém do outro lado do planeta. E que dizer do maluco que resolveu domesticar a eletricidade, a mortal energia dos raios? Convenhamos, as pessoas sensatas não se ocupam com estas tolices. Sorte da humanidade que haja cérebros DDA, pobres sofredores incompreendidos! Para eles, o mundo comum é tão pobre...

Quando amam, é tudo ou nada. Há um excesso de emoção e a tendência de idealizar o objeto amado. Verdade é que alguns DDA se apaixonam por suas
carreiras ou pela ciência. Artistas são DDA que sublimam a emoção em músicas, romances, poesias...

De Fernando Pessoa, cuja vida e obra encaixam-se no conceito de DDA, deixo a palavra com a psiquiatra Ana Beatriz da Silva, autora do livro Mentes
Inquietas:

Fernando Pessoa sinaliza em sua obra traços de uma mente com funcionamento DDA: inquietação, contradição, desorganização, devaneios, hiperconcentração, criatividade, intolerância ao tédio, dificuldades em seguir regras. Criou vários "eus", os famosos heterônimos, para descrever o mundo sob diversos ângulos.

Os desencontros amorosos estão presentes:

"Cobre-me um frio de janeiro/ no junho do meu carinho."

A baixa auto-estima aparece de maneira clara no poema Tabacaria:

"Não sou nada / Nunca serei nada / Não posso querer ser nada / À parte isso/ Tenho em mim todos os sonhos do mundo."

E, certamente, Fernando Pessoa nos fornece a receita do sucesso, nas palavras de Ricardo Reis:

"Para ser grande,sê inteiro/ nada teu exagera ou exclui/ Sê todo em cada coisa/ Põe quanto és no mínimo que fazes/ Assim em cada lago a lua toda
brilha, porque alto vive."


Pois é preciso agir ou o DDA corre o risco de passar pela vida anonimamente a observar estrelas, deixando atrás de si um rastro de roupas esparramadas,
gavetas abertas e corações partidos.

Einstein escreveu sua teoria da relatividade, publicou -a, fez conferências a respeito e tornou-se um criador. É verdade que a maioria dos mortais não entendeu nada, mas, já que o homem falou tanto, acharam melhor retirá-lo da Alemanha e dar-lhe um prêmio Nobel, por via das dúvidas.

Bem, reconhecimento — em vida — é ótimo!

Este é o desafio do cérebro DDA: ultrapassar a fase do sonhador e tomar atitudes práticas; sair do mundo das idéias e lançar fachos de luz sobre os habitantes da caverna.

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Monografia: A importância da cultura na formação da cidadania
seguir o link abaixo:

http://www.qdivertido.com.br/verartigo.php?codigo=57

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Histórias infantis revelam o novo paradigma do século XXI - Revista Pediatria Moderna – dezembro 2005

seguir o link abaixo:

http://www.cibersaude.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=3168

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Biografias

siga o link do www.sitedeliteratura.com para ler sobre meus artigos sobbre estes escritores:
Maria José Aranha de Resende
Cecília Meireles
Quer conhecer o escritor português José Régio?
A criação de um mito: Martins Fontes

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HAICAI – UMA ATITUDE PERANTE A VIDA


Convido o leitor a fazer um mergulho na cultura japonesa.

A essência do haicai á a percepção do momento presente, buscando na natureza os elementos para a criação individual.

Define-se o haicai como um poema de origem japonesa, sem rima, com dezessete sílabas, distribuídas em três versos com, respectivamente cinco, sete e cinco sílabas, contendo uma referência à estação do ano através do kigo – ou palavra da estação. Esta é a forma, apenas. A essência do haicai é contemplativa, manifestando gratidão pela admirável obra de arte que é a vida em todo o planeta, encontrando, no transitório, a essência do eterno. Em outras palavras, as flores da primavera são transitórias mas a primavera das flores é eterna.

Foi Bashô quem levou o haicai à plenitude artística. Seu nome verdadeiro era Matsuo Munefusa, e ele viveu no Japão no século XVII. Era filho de samurais agricultores e, aos 23 anos, abandonou o campo para dedicar-se à literatura. Mais tarde, tornou-se monge budista. Plantou à frente de sua cabana uma bananeira, em japonês, Bashô, daí advindo o seu pseudônimo. Foi Bashô quem tornou o haicai a poesia mais popular de sua pátria até hoje. Para Bashô, poesia é sinônimo de virtude e a verdade é a essência da arte; para atingir a verdade, é necessário que o poeta receba, através dos sentidos, a realidade tal qual ela é. Para exemplificar, cito um de seus haicais:

Nada mais gracioso/ pela estrada da montanha/ uma violeta silvestre.

Dizia o mestre: “o que diz respeito ao pinheiro, aprenda do pinheiro, o que diz respeito ao bambu, aprenda com o bambu.”

Atrás do Haicai existe a cultura milenar de um povo – a gentileza, a compaixão, a aceitação do imutável. É preciso adquirir esta atitude perante a vida para depois entender os poemas. Bashô elevou o haicai a uma filosofia, tornando-o um caminho de iniciação de disciplina e exercício espiritual. O haicai é uma conquista: é a realização da sabedoria. Neste contexto, viver sabiamente significa despojar-se de ambições e de vaidades, adquirindo a capacidade de simplesmente estar ali e perceber. É preciso que o leitor seja “tocado” por este jeito de ver a vida.

Diferentemente da poesia ocidental, o haicai não intelecualiza nem explica, ao contrário, em sua simplicidade e sutileza apenas sugere a idéia. O leitor portanto, ao buscar um significado que ficou implícito, participa do poema. Um haicai é um caminho que se percorre não sendo deste mundo, e sim estando no mundo.

Esta breve explicação permitirá que cada um de vocês agora leia estas pequenas jóias literárias com uma atitude observadora, serena, “apenas estando aqui”, apreciando o momento, pois a vida está inteira em cada momento.

Chuva de primavera -
Todas as coisas
parecem mais bonitas.

Chyio-ni

Presentes de Ano Novo.
Até o bebê de colo
Estende as mãozinhas!

Issa

O rio de verão -
Que alegria atravessá-lo
De sandálias à mão.

Buson

Dia de primavera -
Os pardais no jardim
Tomam banho de areia.

Onitsura

* A autora é haicaista participante do Grupo de Haicai Caminho das Águas – Santos


Bibligrafia:

Palhas de arroz – Bashô – Aliança Cultural Brasil – Japão
Introdução ao Haicai – Teruko Oda e Francisco Handa - Aliança Cultural Brasil – Japão
Haicai, a poesia do Kigô - Masuda Goga, Teruko Oda e Eunice Arruda - Aliança Cultural Brasil – Japão .



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Haicai & Poetrix

Você gosta de haicai, mas sente-se tolhido pela rigidez da forma?
Sente rompantes de exprimir-se em tercetos maravilhosos inspirados por kigos que os japoneses não reconhecem, com rima, pedindo um título, sem kigo ou com vários, com figuras de linguagem ou com aquela irreverência que os brasileiros tanto apreciam?
Seu mestre haicaísta tem razão, embora você se retorça de frustração: o que você escreveu NÂO é haicai.
Necessariamente, o haicai deve possuir 17 sílabas, divididas em 3 versos de 5, 7 e 5 sílabas; conter alguma referência à Natureza; referir-se a um evento particular e ater-se ao presente.
Mas não fique triste. O que você exprime é poesia, sim, e tem nome: poetrix.
Criados por Goulart Gomes , são descritos por seu criador como poemetos tropi-kais, leves como quem vive abaixo da linha do Equador. Confira aqui as regras do poetrix, conforme Goulart Gomes , em seu Manifesto Poetrix. E mãos à obra! Divirta-se!

1. No POETRIX, o título é desejável, mas não exigível.
2. Não existe rigor quanto ao número de sílabas, métrica ou rimas no POETRIX, mas o uso do ritmo e da similaridade sonora das palavras, sim.
3. O uso de metáforas e outras figuras de linguagemsão uma constante no POETRIX, assim como a criação de neologismos.
4. A interação autor/leitor deve ser provocada através da subliminaridade do POETRIX.
5. O POETRIX é necessariamente uma arte minimalista, ou seja, ele procura transmitir a mais completa mensagem com o menor número de palavras.
6. O POETRIX considera Passado, Presente e Futuro .
7. No POETRIX o observador (autor), as personagens e o fato observado podem interagir, criando condições suprarreais ou ilógicas ("non sense").

Haicai

Voa livre e longe
Andorinha pequenina -
Alma peregrina.

Sonia Rodrigues


Poetrix

Cogumelos frescos
Entre as pedras do jardim
Nascidos da noite.

Sonia Rodrigues


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A música de todos os tempos - o relato de uma experiência

resenha do livro de Adriana de Oliveira Ribeiro
Ed. Universitária Leopoldianum

Se Adriana nos conta a história do piano, não se engane o leitor pelo título. Adriana nos fala principalmente da totalidade do ser humano, citando filósofos, físicos, educadores, poetas, psicanalistas. A Música está a serviço da formação do caráter, da integração do Ser ao Cosmos.
Adriana é uma educadora excepcional. Ela não prepara a criança apenas para a música, e sim para a vida.
Tudo o que é importante se revela na simplicidade de ser e estar no mundo, a postura original da criança, ao passo que os especialistas, em nome de sua verdade, deixam escapar o óbvio.
A pessoinha da criança absorve tudo, tem o mundo em si, cria seu espaço, comunica-se através do movimento livre, em seu ritmo próprio. Adriana usa a fantasia para ir ao encontro dos pequeninos, pedindo antes a tarefa fácil, aguardando a evolução espontânea da criança para só então prosseguir na aventura da descoberta musical, obedecendo ao padrão que descobriu: as estórias refazem as fases da evolução da criança. E é fundamental respeitar esta evolução para evitar os problemas que surgem quando, no diagnóstico genial de Adriana, esta criança, que é sempre promessa e surpresa, não ouve histórias encantadas na hora de dormir, não brinca em jardins floridos, não tem um bicho de estimação.
Pobre criança aprisionada em concreto, plugada na internet, imobilizada defronte da televisaõ, para ela a Iniciação Musical de Adriana devolve o sonho, o espaço, a brincadeira.
Adriana cita o alquimista árabe Morienus: a pedra filosofal, este tesouro, é extraída de vós. Se reconhecerdes isto, o Amor crescerá dentro de vós.
Adriana, que viveu o tempo em que as coisas importantes eram guardadas só na memória e no coração, elege por companheiros escritores e poetas que alimentam a alma e aquecem o coração.
Adriana está bem acompanhada. Do médico Howards, que redescobriu o óbvio e desenfaixou os bebês, porque estes precisam ser tocados e estimulados. De Carl Orff, seu guru, cuja Música Viva trouxe para o Brasil. De Lapière, Lozanov, tantos outros inovadores que marcham adiante de seu tempo.
Adriana pode posar ao lado destes nomes famosos e sentir que - parafraseando Saint-Éxupery - colocando sua pedra, ajudou a construir o mundo.

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A arte como terapia – sobre os processos de inspiração e criação.

Prefácio do livro de contos: Um dedo de Prosa.

Arte não é comércio. É como respirar, um ato fisiológico. Ninguém faz arte porque quer, faz arte porque necessita. É comunicar-se ou enlouquecer.
Começamos a escrever, geralmente, na escola, recebendo temas para redação, como ‘minhas férias’, ‘meu melhor amigo’ etc. Nessa época usamos mais o raciocínio do que a emoção, procurando por frases de efeito que já sabemos que serão apreciadas pelos professores. Em minha época de criança estavam em moda expressões como ‘o canto mavioso dos pássaros’ e ‘flores multicoloridas’. Somos influenciados pelo estilo de nossos autores preferidos – no meu caso, Monteiro Lobato.
Hoje em dia aprecio as técnicas de Edgar Allan Poe e Fernando Sabino.
Aos poucos cada pessoa desenvolve um estilo próprio de escrever, uma maneira peculiar de perceber idéias promissoras. (chamamos a isto inspiração)
Do meu ponto de vista, inspiração é qualquer estímulo à atividade criativa.
Eu percebia que emoções fortes transformam-se em devaneios, imagens coloridas e vivas que ficavam ‘querendo sair’, agitando-se em meu cérebro. Esta inquietação inicial adquiria um significado, dava origem a uma gestação mental , e só se acalmava quando a idéia vinha à luz. Este é o meu processo de criação: a emoção gera uma perturbação psíquica que dá origem a idéias desorganizadas que ao se organizarem criam a obra.
Começo a escrever sem censuras, deixo as idéias fluírem espontaneamente para o papel do jeito que vierem, por mais sem sentido que pareçam.
Na adolescência eu escrevia histórias malucas como sonhos. Nessas primeiras histórias, vampiros, sereias, discos voadores e fantasmas misturavam-se com pessoas reais e faziam rir minhas colegas de escola. Através destes primeiros textos, os tumultuados e confusos sentimentos adolescentes iam embora e eu retornava ao equilíbrio. Eu havia descoberto a ‘catarse’ – a purificação, a sensação de alma lavada que sentimos quando extravasamos nossos sentimentos de forma simbólica.
Toda catarse é terapia.
A arte, em todas as suas manifestações, é uma forma poderosa de catarse.
O aspecto terapêutico do ato de escrever, a princípio não é muito claro porque tendemos a pensar que quando usamos as palavras utilizamos a razão, quando, na realidade, a imaginação do escritor está muito mais voltada ao emocional. A ficção, seja prosa ou poesia, é mais emoção que razão.
Com o passar dos anos, o tempo de sonhar, devanear e escrever, que a adolescência ‘sobrava’, foi diminuindo, mas o fluxo criador aumentava, e fui-me tornando sucinta, aprendendo a ‘enxugar’ os textos, a retirar o supérfluo, a garimpar o essencial do tema. A idéia vinha, eu anotava em qualquer papel à mão e deixava para desenvolver o tema mais tarde, quando encontrasse tempo livre. No decorrer do dia o assunto retornava com freqüência a minha mente, de relance; ia associando idéias, fazendo comparações, encontrando outros pontos de vista. Quando eu finalmente sentava-me para escrever descobria que o texto estava pronto em minha mente, inteiro, do começo ao fim,sem hesitações e praticamente sem necessitar retoques. Desta forma fui desenvolvendo o que chamo técnica do inconsciente.
Um acontecimento chama-me a atenção e penso ‘isto dá um conto’. Envio a idéia ao inconsciente e não penso mais nela, simplesmente aguardo; quando o texto está pronto, ele aparece por inteiro, geralmente durante a madrugada.
Há duas maneiras pelas quais as idéias me acordam à noite: texto pronto ou sonho.
No caso do texto pronto, ouço uma voz interior lendo para mim; repito três ou quatro vezes para memorizar e então levanto, acendo a luz e escrevo. É preciso ter o cuidado de repetir mentalmente o texto antes de acender a luz para que a idéia não se perca, porque a passagem do estado de relaxamento (estado alfa) para o estado de vigília (estado beta) é muito delicada; se a passagem for sutil há lembrança, já a passagem brusca provoca amnésia, perde-se a percepção dos processos interiores do estado crepuscular (a fronteira entre o adormecer e o despertar).
Os sonhos são interessantes elaborações de conflitos internos que aparecem como histórias simbólicas prontas de grande impacto emocional. São exemplos deste tipo de criação meus contos Pesadelo e No templo de Esculápio. Também a peça teatral Os deuses despencaram do Olimpo foi inteiramente sonhada.
Certa vez li o texto Pesadelo a um grupo de amigos escritores e cada um deles deu para a história uma interpretação completamente diferente. Eu o sonhei aos doze anos de idade e só aos trinta e cinco encontrei a chave simbólica do sonho, que se refere à passagem da vida de menina para a de mulher; ‘não há volta’ e a elemento para decifrar este símbolo pessoal são as letras escritas em vermelho – o sangue da menarca.
O símbolo tem esta plasticidade, esta particularidade de prestar-se a várias interpretações em vários níveis de complexidade, de acordo com o estado perceptivo de cada um.
O inconsciente representa no símbolo o que é mais importante naquele momento e o consciente capta somente o que está a seu alcance administrar, por isso as histórias simbólicas, como o são os contos de fadas, nos encantam e são tão úteis na formação do psiquismo infantil.
Quando escrevo sobre o cotidiano utilizo uma técnica um pouco diferente, meio consciente e meio automática. Escolho o motivo quando me surpreendo com o aspecto absurdo ou diferente da vida e trabalho este aspecto absurdo através do humor – desta forma descarrego as frustrações existenciais.
Procuro usar a técnica do impacto, apresentando o trivial fora de seu contexto (um de meus personagens pergunta se as girafas não são bichos de faz-de-conta); trabalho as idéias de forma aparentemente lógica de modo que a conclusão do raciocínio, no entanto, leve a uma absurdo; uso e abuso das ambigüidades e do recurso da repetição para caracterizar a intenção e o comportamento do personagem, até chegar ao final surpreendente.
O final surpreendente é uma característica do conto moderno, que consiste em conduzir o leitor a uma conclusão completamente diferente do que o fluxo lógico da história sugere e leva-lo assim a repensar a história sob uma nova perspectiva.
Em resumo, toda arte é, para o artista, uma forma de libertação emocional, sendo a criação uma forma elaborada e complexa de transformar sofrimento em arte, uma forma de contato com a realidade interior.

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A ARTE É INÚTIL?


Ao término do seu belíssimo prefácio ao Retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde declarou: ‘Toda arte é completamente inútil.’
Do ponto de vista prático, a tendência é responder sim. Come-se tanto em uma tigela de barro quanto em um prato de porcelana inglesa.
E o nosso humor, porém? Em que prato comeremos com mais prazer?
É esta a diferença entre o modo de viver de Esparta e Atenas. Cidades gregas poderosas, a diferença principal entre as duas culturas era o valor que atribuíam à arte.
Os espartanos eram rígidos e agressivos. Os atenienses alegres, flexíveis e criativos. Atenas legou-nos o teatro, a escultura, a filosofia, enfim, a semente da civilização ocidental.
Inútil, a arte?
A poesia de Castro Alves foi aríete para abrir senzalas.
A obra de Nietzche alavancou o terceiro Reich.
A Marselhesa derrubou a Bastilha.
Com razão os ditadores expulsam músicos, escritores e artistas censuram suas obras e dificultam as manifestações intelectuais.
A arte fala à alma, comove multidões.
Palavras, sons, imagens... recursos poderosos.
Sou dessas pessoas incapazes de viver sem o belo. Necessito de Beleza tanto quanto de ar, de água, de comida. Sem a Arte, fico infeliz.
Do ponto de vista da restrita sobrevivência, concordo: a arte é completamente inútil.
Quem, porém, deseja sobreviver?
Queremos, sim, viver, e viver plenamente.
A arte é vida, é a marca da civilização.

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