Poesia - na verdade, algumas tentativas...




S A N T O S


Santos do cais do porto,
das praias poluídas,
do falso verão postal,
tua face verdadeira é hídrica.
Aqui, as nuvens estão eternamente prenhes,
pesadas, prestes a desaguar
em um estardalhaço abundante de enchentes estrepitosas.



O combate

Na rede, a menina
Embala o gatinho
Tão leve, tão fofo, quase que só pêlo.

A menina ri
Das mordidas que não machucam
E das lambidas ásperas e quentes.

O gatinho arranha.
Suas garras frágeis
Só produzem cócegas.

A menina ri
Embalando o gatinho
Que sente o calor dela e se aconchega,
Fecha os olhos e adormece, enfim.

A menina domou sua primeira fera.
Seu coração amoroso
Nem percebeu o inimigo.

Uma criança feliz

É madrugada.
Mamãe! Mamãe!
O sol já acordou!
E a garotinha travessa
Sentou-se na varanda
Para assistir ao incêndio
Que se alastrava pelo oceano.

No saco de brinquedos
Dormem sossegados
Dúzias de brinquedos caros.
A garotinha prefere as bonecas de papel
Que a mãe desenhou
E o cineminha que a prima Raquel
Fez para ela com uma caixa vazia de “dentrifício.”
(a prima Raquel é idosa e ainda usa um vocabulário que ela diz ser ‘do tempo da onça’)
E a garotinha fica pensando:
Quando a tia Raquel era menina
A gente via onças no mato à beira da estrada,
Quando se ia pela Serra do Mar.

A mamãe dorme
E a garotinha travessa
Devora as bananas na fruteira da cozinha
E lustra cuidadosamente a mais vermelha maçã
E a coloca na bandeja prateada
Para a mamãe adormecida.

Debaixo da cama da garotinha travessa
Há toda uma cidade que ela construiu de papel
Colando recortes de casas, carro, bichos e árvores
Em caixas vazias de papelão.

As paredes do quarto da menina estão decoradas com desenhos coloridos do mundo da fantasia.
A menina gosta de contar para seu cachorrinho de pelúcia
A estória do macaco que comeu uma banana cascada
E não entende porque o pai acha sua estória tão engraçada.

Certa vez, ao contar uma estória para a menina dormir
A mamãe pegou no sono
Quando os anõezinhos da Branca de Neve saíram para trabalhar.
- E aí, mamãe, o que aconteceu?
E a mãe, sonolenta, respondeu de seu sonho:
- Aí todos entraram no disco voador e foram para a lua.
E o papai e a menina riram, riram...
A menina vai pé ante pé até a cama dos pais
E abre as pálpebras deles para ver se estão adormecidos.
Adultos dormem tanto e têm o sono tão pesado...
Então a menina se enfia debaixo dos lençóis,
E, aconchegada entre o pai e a mãe, sorri.

TATIANA


Desabrocha,
Qual caprichosa rosa,
Em uma morena formosa,
A pequena caprichosa
De outrora.

Nos estudos aplicada,
É um tantinho levada.
Gosta muito de bichinhos
E trata - os com carinho.

É esperta e diligente,
Amorosa e inteligente.
Gosta de boa comida
E de ajudar na cozinha.

A garota é refinada.
Em elegante ambiente
Entra, sofisticada,
Toda prosa e sorridente.

É minha boa filhinha
Alegria de sua mãezinha.


MINHA TERRA


A minha terra é linda na chuva!
O mar, os rios, os canais, as nuvens,
É tudo um só nevoeiro,
É tudo um só aguaceiro.

A minha terra é como uma nuvem,
Terra molhada, fria, úmida _
terra de sonho ou pesadelo
( isso depende da bronquite ).
É uma terra selvagem
Quando açoitada pelo vento da tempestade,
Quando a garoa fininha rodopia em redemoinhos,
Quando o mar invade a ilha
E nos tornamos todos um pouco anfíbios.

N a minha terra chove por metro.

Ah! Se eu fosse um Turner,
Eu pintaria a minha terra
Em todas as suas enchentes,
Suas vazantes, suas cheias,
Sua estação de mais águas
E sua estação de menos águas ;
Seu romantismo aquoso de detrás das vidraças
E o ar patético dos guarda - chuvas inúteis...
Mas em minha humildade
Eu não ouso imitar
As aquarelas de Deus.

O MESTRE


Destinos de povos inteiros governando,
Dirigindo reis, exércitos comandando,
Domando corcéis e peões sacrificando ...

Não importa quantas batalhas
Travará até a vitória.
A paciência, a persistência,
o elevarão certeiro à glória.
Com estratégia e com tática,
muitos planos porá em prática.

Se houver um golpe de sorte...
Nisto você não acredite.
Medite :

A sorte, nós mesmo a criamos
ao vermos as oportunidades ;
ao, no campo adversário
criarmos as debilidades.
A vitória é o corolário.
Não se trata aqui de mágica.
A vitória é matemática.
Derrota é um erro de cálculo.
Pensar, pensar, pensar ...
As pressões aguentar _
persistir.
O melhor caminho intuir.
No desejo de ser o mais forte,
Senhor da vida e da morte,
tendo o mundo à mercê dos caprichos seus _
no tabuleiro, o enxadrista é um deus.



MOÇA BONITA NÃO PAGA _ MAS TAMBÉM NÃO LEVA.


Aos quatro cantos
Da feira de Santos
O vendedor anuncia
Sua mercadoria :
- Olha o coco da Bahia !
- Olha a banana ouro !
- Laranjas de Bebedouro !

Os legumes - um encanto !
Todos bem arrumadinhos,
No capricho empilhadinhos.
Verduras por todo canto.

A barrada de flores
É uma festa de cores.
Lírios, palmas, rosas, cravos,
Tantos buques perfumados !

Olha o menino guloso
Para a barraca de bolachas
Onde há delícias para todos os gostos :
Bolos, balas e cocadas.

E na saída da feira,
Sentadinha em uma esteira,
Vende a velhinha bordados,
Toalhas e panos de pratos.



AGORA, FALANDO SÉRIO...

Agora, falando sério...
Que mania de resmungar
Esta velha ladainha
Deixe de lenga-lenga
De reclamar a toda hora
Sempre e sempre a mesma estória.
Você é o coitado sem sorte
E a grama do vizinho é a mais verde.

Agora, falando sério...
Vá regar a sua grama
Vá fazer a sua cama
Resmungo morreu de tédio.
A felicidade não mora ao lado.
A felicidade é fruto do trabalho
O que o vizinho tem foi conquistado
No mesmo banquete para o qual você também foi convidado,

Agora, falando sério...
Vamos plantar a semente
Em seu próprio jardim,
Que, fazendo assim,
Daqui para a frente
Tudo vai ser diferente.

Agora, falando sério...
Cante outra canção
Mude o refrão
Vai trabalhar, vagabundo.
Vai conquistar o mundo.

Ah, meu amado !


Ah, meu amado, que lábios os teus ,
Em que sorvi delícias e alegria!
Ah, meu amado, que braços os teus,
Que me aconchegavam todo o dia!

Ah, meu amado, que mãos as tuas,
Às quais eu me entregava, nua !
Ah, meu amado, que coração o teu,
Que me traístes, que me traístes!

E, cinicamente, me sorristes...

ANTONIO

Antonio me trouxe um sorriso.
E nesse sorriso, todo um mundo.
Não me trouxe um tostão
Mas me trouxe um violão.
E madrugada a dentro
E pala vida afora
Fomos caminhando e cantando e seguindo a canção.
Ele foi meu companheiro
Foi o meu amor primeiro
Seu violão se calou
Seu retrato amarelou
E na lembrança ficou
O sorriso charmoso
O beijo saboroso
E um poema maroto
Que eu guardei com carinho
Em um cantinho
Da memória
Reservado à nossa estória.

Belas manhãs

Como são luminosas
As manhãs de abril!
No azul de cartão postal
Espalham-se nuvens de todos os tipos e formas
E a luz dourada do sol,
Repartindo-se em dezenas de verdes,
Aquece-nos – mas não muito.
Sopra a brisa – só um pouquinho – fresca.
Mistura esquisita
Dos ventos ártico e tropical,
Encanto singular do outono brasileiro,
Em que frutas e flores se embaralham
Nas paisagens, nas estampas das roupas,
Nas feiras, nos cardápios.
No céu de abril
Também a noite é transparente
E a lua imensa convida ao desfrute
De vinhos e queijos,
Pinhões e doces,
Em noites aconchegantes e gulosas.

BILHETINHO DA SOLTEIRONA

Querido Papai Noel
Velhinho bom e fiel
Por que é que meu presente
Todo ano faz - se ausente ?

Quero sem embromação
Uma clara explicação
Deixo aqui registrada
A minha reclamação

Para fazer - me notada
Na cartinha caprichei
E no correio entreguei.

O que eu quero é tão banal
E até muito natural :
Um namorado, afinal !

Canavial


Parece até que estamos em pleno sertão,
Tão ardente é o sol, tanta é a desolação.
Isto é um verdadeiro deserto,
Sem umidade e sem flores por perto.

Árvores nuas, sem folhas, sem cores...
A natureza chora suas dores.
Terra vermelha e poeira no ar...
É tão difícil poder respirar !

É a natureza a vingar - se do homem,
Que a destrói, a corrompe e a consome.
Cana queimada a perder- se de vista...
É primavera na oeste paulista !

A CASA DA AVÓ PATERNA

A casa de minha avó era como um templo.
Cheirava a mofo de igreja.
Na entrada em quadro austero do Sagrado Coração de Maria.
Na sala de visitas, em lugar de honra, o Sagrado Coração de Jesus.
Crucifixos em todos os quartos.
Estátuas de santos nos criados - mudos.
Na sala de jantar, a Santa Ceia.
Na varanda, um oratório com a imagem da Virgem Maria.
Tudo muito sério e solene.
E triste, triste, triste...
Eu me sentia oprimida,
Quase não respirava,
Ficava a um canto, calada,
Pensando em ir embora.

Quanto me torturaram
Com santinhos, terços, novenas,
Histórias da Bíblia
E da vida dos santos,
Para eu não me perder no mundo,
Não cair em pecado,
Não ceder às tentações do demo...
Coisas de beatas.

Eu pensava que Deus não poderia habitar aquela casa triste
E nem os pensamentos tortuosos de minha avó.
Fora, um sol alegre convidava ao riso.
A natureza inteira era uma festa de cores e luzes,
Flores, pássaros e borboletas.
Deus é tão bom !
E eu fugia para a vida.

Catadora de conchas


O mar foi generoso esta manhã
Despejou no fim da praia
- cidadão civilizado –
o seu lixo reciclável.

Folhas, gravetos, frutos
Da tempestade noturna
E centenas de milhares
De pequeninos tesouros

Catadora de conchas
Um tanto arqueóloga
Acho um vidro aqui
Um caco de argila acolá

Enquanto remexo as conchas
Separo as cores e formas
De todos os tamanhos

As ondas cantam mais alegres
Banhando este cemitério;
Entre sussurros e risos,
Contam estórias de mistérios.

Anos atrás eu trazia
Crianças com seus baldinhos.
Certa vez apanhamos
Pequeninas e delicadas
Conchinhas cor de rosa
Que lavamos e secamos ao sol;
Depois fomos para casa
Acabar a brincadeira.
Em uma tampa de madeira
Colei uma gravura bonita
Escolhida pelas meninas;
Quando secou, ao redor dela,
Espalhamos conchas belas
Agrupadas com tal arte
Que imitavam rosinhas -
Cada qual fez sua parte
Num mimo pra vovozinha

Isto foi há muito tempo.
Neste momento
As meninas já cresceram
E esqueceram.
Eu é que viro menina
E com leves movimentos
Mergulho as mãos na água morna
E penetro no universo
Que ora canto em meus versos.

Ciranda do Eco


A luz do teu olhar - ah, me fascina!
Sina minha amar - te doidamente!
Mente quem diz que o amor não é eterno.
Terno e doce e belo é este anelo,
Elo que nos une eternidade afora,
Fora do tempo comum dos mortais.
Tais encantos tem a nossa jornada,
Nada se compara à luz do teu olhar,
Olhar o teu que - ah! me fascina!
Sina minha amar - te doidamente...


Ecos de amor


A luz do teu olhar meigo me encanta
Canta meu coração de terno enleio
Leio em teu sorriso todo o ardor
Dor, desejo, anseios e alegrias.
Ias a cantar estrada afora
Ora a chorar, ora a sorrir...
Rir é o privilégio do amante
Ante os mistérios do coração
São tantos e tais os teus encantos
Canto, pois, a luz que me fascina
A luz do teu olhar que me alucina!


ou :
São tantos os teus encantos e tais
Ai! a luz do teu olhar - teus ais! teus ais!

Um Dia

Era uma vez, um dia, Maria,
Que amava José, que amava Lia,
Que amava Otávio, que a corte fazia
À charmosa e alegre Bia
E nenhum deles sabia
Do mal que os consumia,
Pois,em uma cirurgia,
Há muitos anos atrás, havia
Um vírus, que em Maria
Pelo sangue se introduzia
E assim, por essa via
A vida de todos se esvaía
Aos poucos - e pouco havia
A fazer agora por Maria,
Por José, por Lia ...


RECUSA


Recuso - me a ser comum.
Recuso o lugar comum.
Recuso o senso comum.
Recuso a vala comum.
Recuso a sorte comum.

O comum pensamento.
O comum aniquilamento.

Desejo comum
De homem comum.

publicada na Agenda da Tribo em 1996

CUCO

É o encanto da criançada
A janelinha fechada
Lá na parede da sala –
E de repente ela estala.

E por trás da janelinha
A gente logo adivinha
Um passarinho maluco
A saltitar: cuco! cuco!

Depressinha ele se esconde
Quem se distraiu, não viu!
Onde está ele? Onde? Onde?
Cantou ligeiro e sumiu!


( notícia de jornal)

um aventureiro
uma mulher fatal
um lar desfeito e um punhal



( homem do cangaço)

ar de cansaço
olhar baço
alma de aço




Oração do menino de rua

Cansado de andar ao léu
Num pedaço de papel
Pediu a Papai Noel
Que o levasse pro céu


não faça conta
de tanta conta
o dinheiro não conta
- conta outra, conta.



Seguindo o vôo da gaivota
Tracei a minha rota:
Voei.

Seguindo o vôo da gaivota
Escolheste o teu destino:
O infinito.

Meu coração ficou mudo
O cinza aniquila tudo
O cinza aniquilador
O cinza aniquila a dor.



em águas profundas
te aprofundas



Escutas
as musas,
poeta.
És profeta.


Uma poesia
deste dia:
você.

Andar à toa
sob a garoa...
Que coisa boa !

DEZEMBRO

Viva! Chegou dezembro !
Ensolarado e quente tempo
De correr, de brincar
E de alegria cantar.

Posso ir à praia nadar
E siris, conchas e estrelas
Procurar à beira - mar
Semi - escondidos na areia.

Brinco de amarelinha
Faço castelos de lama
E quando cai a tardinha
Cansada, vou para a cama.

Há um alegre pinheirinho
Enfeitado no quintal
Ali pus meu bilhetinho
Ao bom velhinho - é Natal !

DINHEIRO

Se alguém blasfema
Não maldizemos o dicionário.
Se alguém engasga
Não desprezamos a comida.
De um dizemos – é um mau sujeito
ao outro aconselhamos: coma devagar.

O dinheiro é um instrumento
Como a faca, tem dois gumes.
Não culpamos a faca pela mão do assassino.

Dinheiro faz bem.
Dinheiro é bom.

Com dinheiro sustento meus sonhos
E realizo meus projetos.
É o dinheiro que garante
A minha independência.
Escolho onde morar,
O que estudar,
Em que me ocupar.

Se eu tivesse muito dinheiro mesmo
Poderia passar o inverno na Antártida
Sozinha em um barco
Como fez o Amyr Klink.
Poderia passar seis meses
Descendo o rio Amazonas
Desde a sua nascente.
Poderia ir ao Alaska
Tirar fotos espetaculares
E ver a aurora boreal.
Ou ir-me embora para Pasargada
Em uma expedição arqueológica
Visitar o palácio do Rei Ciro
E a glória extinta da Pérsia.

Eu eu tivesse muito dinheiro mesmo
Quantos livros editaria
E a baixo preço venderia.
Quanta estória eu contaria
Das viagens que faria,
Quantos obras não leria,
Quanta coisa aprenderia!

Dinheiro traz alegria
A quem conhece a magia
De poder nele contido.
Dinheiro é bom, minha amiga.

O dinheiro é um instrumento.
Como a faca, tem dois gumes.
Amiga, passe manteiga no seu pão.


enternecida
teço a vida
entretida
em minha lida

HOMENAGEM A DRUMMOND

Sesc.
À luz de vela
A palavra bela
Do poeta Drummond.
Num clima de encanto,
Revolta ou acalanto.

No escuro da sala
Mal se vê quem fala
Cúmplice no culto
Do poeta de vulto.

Por entre a platéia
Circulam os livros
Poesia é matéria
Que une os amigos.

Madô a meu lado
Recorda com agrado
Rimas preferidas
Hoje proferidas
Por vozes estranhas
Lidas, repetidas,
Com risos e manhas

Quando um sujeitinho
Arruma um jeitinho
De se promover
‘Olha o que eu fiz’
Logo põe-se a ler
Rimas mal atadas
Fica um pouco chato
O que é que se diz
Para um tal palhaço?
Nós fomos embora
E caímos fora.

TEMPO

Menino estudando.
A manhã, lá fora.

Menino estudando.
A tarde indo embora.

Menino estudando.
A vida é agora.

‘Este tem futuro!’
Menino estudante,
Cadê teu presente?

Menino estudando,
Tão bem comportado,
Tão bem controlado,
Tão bem preparado
Para a vestibular.

Quem te preparou, menino,
Para ser bom amigo,
Para ser bom marido,
Para ser bom pai?
Livro é palavra morta.
Em teu coração, menino,
Palpita a vida.


INOCENTES CARNAVAIS

Carnaval! Alegria!
Eu corria a buscar confete e fantasia
Viva, viva a folia!
Eu brincava, vestida de índio,
Colar de semente e cocar.
Nos pés um samba gostoso,
Nas mãos um moreno formoso,
No intervalo, um guaraná.
Pulei, gritei e cantei,
No passo alegre da marcha,
Ao som de cuíca, pandeiro,
Chocalhinho e frigideira,
Maneira bem brasileira
De curtir a brincadeira.
Minha infância boa
Foi uma terça gorda.
Risos, amigos, danças ...
Deixaram boas lembranças
Meus carnavais de criança.


ZÉ QUALQUER

Zé Qualquer, contrariado,
Sem trabalho,
Sem trocado,
Encontrou uma nota,
Uma águia em um dólar, orgulhosa e poderosa,
Em uma esquina da vida, perdida.

Até o dinheiro estrangeiro
Faz pose de ser melhor.
No real tem tartaruga, que só não perde a corrida
Na fábula, não na vida;
No real tem colibri
Tem índio, vitória-régia,
Tem até bicho-preguiça,
E, nesse dinheiro fraco,
Nem onça convence a gente
Que pode ser diferente.
O brasileiro sem trabalho
- coitado –
Pegou o dólar rasgado
E trocou por um pingado
No barzinho ali ao lado.

ALÔ, OLÁ

Sorria sempre
Que eu tenho uma semente
E nós vamos plantar.
Felicidade aqui
Há de passar e ouvir
Há de querer ficar.
Professor, chame as crianças,
Ensaie cantos e danças,
Que agora o dia começa,
A vida é uma promessa,
A luz afasta as trevas,
A dor aprende a cura,
O infortúnio não dura,
O pranto cede ao riso,
Há flores aonde piso,
Pois a vida é paraíso
Para quem produz seu ouro.

No trabalho está o tesouro.
Não fale de crise
De dor ou de morte,
Que o mundo é do forte,
Que insiste e persiste
Até encontrar o norte
E faz sua própria sorte.
Aqui há felicidade,
Alegria e amizade.
Vamos, minha gente,
Que eu tenho uma semente.
Vamos plantar e cantar.

SER POETA

Todo fruto tem sua semente
Cada terra trem a sua gente
Todo porto tem os seus navios
Cada vela tem o seu pavio
Toda noite tem suas estrelas
Todo peito tem um coração
Cada músico faz sua canção
E, no entanto,
Há mais poesia nas ruas que nos livros,
Fugindo dos arquivos.
Há mais anjos na terra que no céu,
Vagando ao léu,
Há mais amor na vida que no sonho,
O poeta ousa ser risonho,
E mais alegria no trabalho que no ócio,
O poeta age e não se entrega ao ópio.
Fazer poesia é mais do que encontrar a rima certa.
Ser poeta é mais que conhecer a métrica.
É ir além do afeto e da gramática.
Ser poeta é profetizar o sol à meia-noite,
Trazer os sonhos para a realidade,
Ousar antecipar melhor futuro
É ser agricultor antes de tudo
Boas colheitas há em toda parte
Mas saber plantar é uma arte.

A VELHA

A velha, sossegada,
Com seu bordado ocupada,
Tece toda enternecida
Toda a ternura da vida.
Então eu lhe pergunto pelo amor.
Ela confessa que namorou escondido,
Que provou do fruto proibido,
Pulou o muro, ficou de castigo,
Mas casou de branco como mandava o figurino.
A velha, de partida,
Se despedindo da vida,
Diz que vai deixar saudades
Entre amigos e comadres.
A velha cuidou do irmão,
Do filho, do pai, do patrão,
Mas não quis o marido, não.
Preferiu a liberdade,
Viveu a sua verdade,
Satisfez suas vontades,
Deu amor, não falsidade.
A velhinha foi tecendo
Uma estória tão compriiiiida,
Contou toda a sua vida,
Seus sonhos de moça bonita,
E o dia amanhecendo,
Calou sua voz para sempre.
Na terra ficaram as sementes
Que ela plantou ternamente –
Estórias que alegremente
Contou para tanta gente.

O BAR

Seu João Rabelo reúne amigos no bar.
Cavaquinho, pandeiro e violão.
Seu João Rabelo tem sua própria canção;
Quando moço teve uma desilusão,
Nunca mais quis casar, noivar, namorar,
Seu João Rabelo travou o coração.

Na cidade as ruas estão desertas,
Só o bar de João Rabelo está em festa,
É quinta-feira, dia de seresta.
Vão-se achegando amigos aos bocados,
Gente de alta roda, gente de cultura,
Engenheiros lá da Casa da Agricultura,
E também gente da roça, uma mistura
De classes e raças, de gente do bem,
Amigos que João Rabelo reúne no bar,
Amigos que gostam de compartilhar
A noite, o luar e o coração também.

Nas outras ruas, silêncio e solidão,
O povo triste está vendo televisão,
Sem perceber a vida chamando cá fora,
Atente ao chamado, responda sem demora,
Que a vida dura só um instante – agora.


UMA COR


Se eu tivesse que escolher uma cor,
Escolheria o vermelho do sol nascente,
Com a vivacidade do fogo
E a violência do sangue.
O vermelho saboroso dos morangos maduros,
O vermelho alegre dos biquinhos de lacre
Ou fugidio como o das carpas malhadas.
Se eu pudesse colorir minha vida,
Eu a salpicaria de vermelho,
Pois a quero intensa e plena,
Inda que breve,
Um só pinguinho de vermelho bastaria
Para dar sentido ao cinzento arrastar-se das intermináveis horas aprisionadas na ampulheta da memória.

COTIDIANO

Todo dia ele faz tudo sempre igual
Se levanta às seis horas da manhã
Pega o pão e o leite, pontual,
Pra mulher a dormir deixa a maçã.
Todo dia ele pensa muito em seu lar,
Nos filhinhos que um dia vão nascer,
Gasta o mínimo pra poder poupar
E conforto à família oferecer.
Todo dia ela pensa em se embelezar
Enquanto ele trabalha pra enriquecer,
Ela sai, seu dinheiro vai gastar
Pois sozinha não tem o que fazer.
Meio dia ele volta para almoçar
Trocam juras de mútuo e eterno amor,
Seis da tarde ele volta pra jantar
E se abraçam e beijam com ardor.
Toda noite ele apaga a televisão
E explica seus planos pro futuro,
É então que começa a confusão,
Ela quer o dinheiro do seguro.
No domingo é muito diferente,
Eles fazem as pazes novamente,
Para a praia vão juntos bem contentes
E só vêm alegrias no presente.
Esta estória repete-se noite e dia
Até chegar a aposentadoria,
Se ele enriqueceu, não sei ao certo,
Sei que inda vivem juntos cá por perto.

RESPOSTA AO CHICO

‘Já conheço os passos desta estrada
Sei que não vão dar em nada...’
Por isso me aprumo e mudo de rumo,
Procuro um novo futuro.
Por atalhos nunca dantes caminhados
Minhas passadas deixaram pegadas.
Este amor que quero tanto
Eu não evito – persigo,
E não o nego, e no entanto,
Contra este encanto,
Lanço um contra-feitiço.
Arrisco.
Vou colecionar experiência;
Do retrato em preto e branco
Passo logo ao colorido,
Ao filme e ao vídeo.
O coração maltratado
Corrigi com marca-passo
E vou marcando o compasso
Dos novos rumos que traço
Buscando dia após dia
Sempre uma nova alegria.

O NAVIO FANTASMA

Se houvesse tempestades, furacões, terremotos,
Se houvesse vendavais e ciclones,
Se houvesse avalanches, inundações, incêndios,
Mas não há nada...
No peito a âncora afunda, afunda, afunda...
E o cansaço...
E o sono...
Não há remos
E de que adianta a bússola
Sem vento que impulsione as velas?
O único movimento possível é para baixo.
Se ao menos eu pudesse ir ao Japão
E trabalhar
E prosperar
E inventar tecnologia
Mergulhar em algum videogame
Cantar num karaokê...
Estou preso na calmaria,
Sem Tratado de Tordesilhas a me garantir um Novo Mundo além.
Se ao menos a morte fosse o nada!
Mas não!
O nada é a consciência de estar vivo
Para nada.
Por nada.
Salta n’água!
Nada!

VIDA CIGARRA

Deitar na sala
À sombra
Com um bom livro
E água de coco
Olhando o azul,
Ouvindo os pássaros...
Ah! Vida preguiça!

E nasce do ócio o haicai, o conto, a crônica, a peça teatral.
O artista tem de ser, antes de tudo, um ocioso.
A poesia é zen
Nasce da não-ação.
Bom mesmo é trabalhar duro,
Comparar o texto,
Enxugar idéias,
Descartar o óbvio,
Antecipar-se à emoção do leitor,
Afogar-se em imagens, sons e sensações;
Arriscar, ousar, inventar;
E depois de o texto pronto
A alegria escapa em uma gargalhada
E o autor solenemente ignora
A inevitável crítica:
‘O vagabundo fica aí à toa, sonhando...’
O sonho faz o homem criar,
Atravessar o oceano,
Viajar rumo às estrelas,
Filosofar,
Pintar,
Escrever livros,
Filmar;
Mas é preciso saber ser ocioso.
Ócio é tempo precioso.
Que em solo fértil é pura arte.

A UM APRENDIZ

Fazer versos, imaginas,
É palavras combinar
Para fazer ricas rimas
Ou falar de coisas belas
Qual singelas aquarelas.
Eu vou te desapontar.
Se o poeta fosse, acaso,
Algum ser alienado
Com a cabeça na lua,
Como dar o seu recado?
Para quem faz falcatrua
Seria bom, não o nego,
Se o poeta fosse cego.
Mas o poeta é presente,
Seu verso é dominador.
A palavra é arma forte
Contra fome, dor ou morte;
Palavra combate injustiça,
Palavra defende a vida,
O poeta é bom de briga,
Que poesia ou é engajada
Ou então não serve pra nada.

ÁRVORE

À beira da cachoeira
Bela paineira florida
Sua sombra nos convida
A dormitar na esteira

A grama é tapete rosa
De tantas flores caídas;
Nessa paisagem cheirosa
É bom desfrutar a vida.

Passo a manhã preguiçosa
Ao murmúrio da cascata;
Passo a tarde vagarosa
Ao lado de minha amada.

Que belas recordações
Esta árvore deixou;
Nossos jovens corações
Com carinho ela embalou.

Bela paisagem florida
Eu te agradeço a lembrança
Que deixou em minha vida
Descuidada de criança.

VARIAÇÃO DE VINICIUS

Tornou-se a vida uma aventura errante
Porém não vacilei um só instante.
Pulei, abri as asas e voei.

E do momento imóvel fez-se o drama.
Não demorei em desfazer a trama.
Desafiei os deuses e lutei.

Porém meu gesto congelou de espanto,
Quebrou-se o encanto e emudeceu meu canto,
Pois fez-se o amigo próximo, distante.


TROVA BOBA

Usando a palavra árvore
Eu planto em teu pensamento
A imagem de uma árvore
Para meu divertimento.


MÓRBIDA VELHICE

Tarde santista, quer dizer, instável,
Nevoenta, úmida, acinzentada...
Queda - se imóvel, um sorriso amável
Nos lábios, esquecida, à sacada,


Em completa escuridão, Dona Amélia,
A pensar, pensar, pensar no passado...
Já na escada, ouve - se alto o passo
Da filha, e seu perfume de camélia.

- Credo, que fazes nesta escuridão ?
Que lúgubre ambiente, acende a luz !
-Não, minha filha, a solidão produz
Saudade... a angústia assalta o coração.

À mente vem imagens já vividas...
Estou a conversar com meus fantasmas.
Lembranças da infância tão queridas
Consolam - me da dor de envelhecer.

-Quanta bobagem dizes, tu me pasmas!
Alegra - te, pois , já, com teu viver!
- Não, minha filha, quero recordar
Os belos dias que não vão voltar.

E assim, Amélia, dia após dia,
Em vã, doentia melancolia,
Mal percebe que aos fantasmas deu vida,
Sendo ela, já em vida, falecida.


MINHA LENDA

Mudei meu nome.
Cansei de ser guerreira.
Não mais Valquíria, e sim, Sofia,
dediquei-me aos livros e devorei bibliotecas.
De Tales a Saramago
Escarafunchei os séculos e as civilizações,
Sem aplacar minha sede
- diria, antes, minha fome -,
de contato,
de afago,
de agrado.
Estou aqui, de peito aberto, desarmada,
e, qual diamante, firo a quem me toca.
Objeto de desejo, e não de amor.
O oráculo de Delfos, se existisse ainda,
concordaria com a astrologia
e com a numerologia,
que me decretam:
Individualista. Pioneira. Solitária.
E eu buscando carinho...
Desejo a morte com a sofreguidão dos condenados à imortalidade.
Mudar o nome não basta.
Neste mundo que incindiou a Atenas de Péricles
e condenou Sócrates a beber cicuta,
quem sou eu para implorar aceitação?
Quero ter o fim dos gregos valentes e virtuosos
que os deuses arrebatam deste planeta hostil.
Mãe Deméter, inicia-me nos ritos do Elêusis
e arrebata-me aos céus, transformada em estrela!

MINHA AVÓ

Minha avó suspirava e chorava
Fazendo seus trabalhos manuais
Relembrando seu passado
Contando seus compridos sonhos...

Minha avó bordava coisas lindas para mim
Mas não conversava comigo.
O que é que se pode conversar com uma criança ?

O mundo, para minha avó, acabava na porta da rua.
Não queria saber de estranhos.
Não queria saber de notícias.
TV - só Sílvio Santos aos domingos.
Não cantava uma música
Não contava uma história.

A vida para ela acabou aos cinqüenta.
Só lhe restava _ dizia _ morrer.
Mas como Deus não concordava
Ela foi - se arrastando
Dez, vinte, trinta anos a fio,
Cada vez mais calada.

Minha avó rega as plantas.
Minha avó cuida do jardim.
Minha avó vegeta.

Tem lá suas razões.
As plantas são melhores que muita gente.
Minha avó é simples como as plantas.

Na praia

Seguindo o vôo da gaivota, corria
a menina e sorria,
a fugir da maré cheia,
pés nus na areia.
Corria contra o vento
a gritar seu pensamento :

Quero asas para voar !
Para voar sobre o mar !

Lá bem longe, no horizonte,
há navios a navegar...
Minha alma não resiste,
quero saber o que existe
do outro lado do mar !

Como a gaivota, quero voar !
Quero voar sobre o mar !


PÃEZINHOS

Vou fazer pãezinhos
Bem pequenininhos
Vou ajudar a vovozinha
Que está ficando velhinha.

Faço pães de goiabada
E lambo os dedos, regalada !
Enrolo pães de torresmo,
Queijo, banana, passas ...
Não vai faltar nada mesmo
Para um gostoso lanchinho
Comer bem devagarinho.

Como é tão bom ajudar
A vovó pãezinhos assar !


COTIDIANO 2

Quando eu era pequenina
Me debruçava na varanda
A espiar como funcionava a cidade.

Vinha o leiteiro,
Vinha o padeiro,
Vinha o jornaleiro,
Vinha o lixeiro.

Passavam as velhinha indo à igreja,
Passavam as velhinhas voltando da igreja.

Passavam as crianças indo à escola.

Passavam as empregadas das famílias que podiam,
Passavam as mulheres das famílias que não podiam,
Indo às compras.

Passavam : o carteiro,
O marcador da água,
O marcador da luz,
As crianças voltando da escola.

À tarde era um tédio,
Quase não passava ninguém.
Raramente em carro ou uma bicicleta.
Na rua, só os meninos jogando futebol.

Ao fim do dia voltava o padeiro
Pedalando em seu triciclo,
Carregando broas, pães quentinhos, sonhos e bengalas quentes.
“ Estalando ”, dizia mamãe
Eu chamava da varanda e acenava
Pegava o dinheiro que mamãe me entregava
Descia a correr escadaria abaixo
Pagava, pegava o pacote a queimar os dedos e voltava.
Mamãe passava manteiga no pão quentinho,
A manteiga derretia.
Tão bom !

Até hoje para mim, pão quentinho com manteiga tem sabor de infância.

RECUSA


Recuso - me a ser comum.
Recuso o lugar comum.
Recuso o senso comum.
Recuso a vala comum.
Recuso a sorte comum.

O comum pensamento.
O comum aniquilamento.

Desejo comum
De homem comum.

                              ..........................
Luar de Bebedouro

Até parecia de propósito.
No horizonte, imensa bola laranja.
( Se fosse em Minas, seria um queijo branco )

                               ........................

O apito do guarda - noturno espantou o ladrão e o meu sono.
Quem me devolve o repouso assim roubado ?

..................

SEGRÊDO

Mamãe me pediu para guardar um segredo
De perde - lo tenho eu muito medo
Quase que estou a ve - lo
Esgueirar - se, silencioso
Para fora do meu bolso


Aonde guardá - lo ?
Na gaveta do quarto ?
É muito arriscado
Pode a maninha
Ir fazer - lhe cosquinha.


Vais ficar curioso
E até furioso
Mas não vou contar
Não irei revelar
O meu segredinho
Vou guarda - lo com carinho.


SONETO DA TERCEIRA IDADE

Indo à praia bem cedinho,
Uma multidão de velhinhos
Caminha com disposição
E a sorrir, a saudação :


Bom dia! Bom dia ! Bom dia !
Repete em coro animado
De um jeito bem humorado
Transmitindo muita alegria.


Como é bom viver em Santos !
Pois, em meio a outros tantos,
Vive bem o aposentado,


Leva uma vida saudável.
Entre esta gente amável,
Sempre encontra um amigo ao lado.