segunda-feira, dezembro 27, 2010

Madrugada

- Socoooooooooooooorro!
Ao farfalhar das copas da árvore, enquanto o homem subia rapidamente, seguiu-se o som possante das patas da fera sobre o tronco – PAM!
Em meu sonho, a floresta estava envolta em espessa neblina. Sobressaltado, espiei. A luz do sol nascente projetava paralelos riscos vermelhos por entre as frestas da janela. O traque-traque monótono do despertador casava-se ao som distante dos primeiros ônibus lá na avenida.
Aguardei os sons familiares – o estalar do trinco do portão, o tilintar dos vidros de leite, o dilacerar do pão ao ser espetado no prego do batente da porta de entrada – inútil insistir com o moleque Erasmo para que colocasse a ‘bengala’ no suporte apropriado, junto com o leite – ele invariavelmente respondia que assim, no prego, ‘era mais seguro’ (?!). }O jeito era conformar-se em perder, diariamente, uma fatia do pão.
- Ai, meu Deus! Ai, minha Nossa Senhora! – gemidos e soluços, ruídos de folhas a roçar ... que sonho tão nítido!
- Socooooorro!
Sentei-me, totalmente desperto. O grito soara muito próximo. Acendi a luz e vasculhei o quarto com o olhar. Vazio. E no entanto... aquela respiração entrecortada no meu ouvido esquerdo!
- Acudam!
Não era possível! Como alguém poderia estar tão próximo à janela, sem balcão nem gelosia?
A seguir, um choro, de cortar o coração.
Abri a janela, intrigada.
À minha frente, o moleque Erasmo, camisa rasgada, sapato em apenas um dos pés, de cabeça para baixo como um bicho preguiça, oscilava perigosamente nos galhos frágeis da ameixeira.
O pão matinal, lá embaixo, sujo de terra, fora estraçalhado pelo cão, que eu esquecera de prender.

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